A nova vacina contra a dengue

Nos últimos dias do mês de dezembro de 2015 foi publicada no Diário Oficial da União, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autorização de registro da vacina contra a dengue produzida pela Sanofi, divisão da Sanofi Pasteur. Na prática, a referida empresa poderá comercializar a Dengvaxia, primeira vacina contra a doença a ser aprovada no Brasil. Tal vacina já havia sido autorizada no México e nas Filipinas, ainda nos idos de dezembro de 2015.

Estudos clínicos demonstraram que a vacina foi capaz de reduzir em 60,8% o número de casos de dengue em um estudo que envolveu quase 21 mil crianças e adolescentes da América Latina e Caribe. Em outro estudo, feito com mais de 10 mil voluntários da Ásia, a vacina conseguiu reduzir em 56% o número de casos da doença. Foi considerada, porquanto, eficaz na prevenção dos quatro tipos de dengue, entre pessoas de 9 a 45 anos, que poderão ser imunizadas num esquema de vacinação que inclui três doses, que deverão ser aplicadas a cada seis meses.

Agora, a comercialização depende da definição do preço da imunização, tema que será analisado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial responsável pela definição de preços de medicamentos. Para ser fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ainda deverá passar pelo crivo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia no SUS (Conitec), criada pela Lei 12.401/2011, que dispõe sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do SUS. O referido colegiado analisará fatores como a relação entre custo, efetividade e impacto orçamentário. O Ministro da Saúde, Marcelo Castro, já afirmou recentemente que o custo estimado da vacina seria um “problema”. Citou uma referência de 20 euros (em torno de R$ 85) por dose e que seria “inviável” para toda a população.

Além do mais, a eficácia já foi considerada limitada pelo presidente da Anvisa, o sanitarista Jarbas Barbosa, uma vez especialistas ainda têm ressalvas quanto ao prazo das doses, aplicadas a cada seis meses, período esse que, em tese, não serviria para contenção de um hipotético surto.

Uma alternativa, proposta pelo próprio Ministro da Saúde, seria a imunização inicial apenas de adolescentes de 10 a 14 anos, “porque é um público que se movimenta muito”, segundo Marcelo Castro, facilitando a transmissão da supracitada pústula. Outra possibilidade seria apostar as fichas na vacina contra a dengue desenvolvida pelo Instituto Butantã, cuja fase três (e última) de pesquisa teve início com o aval da Anvisa também em dezembro do ano passado. Na última etapa do estudo é avaliada a eficácia da vacina na proteção contra a doença e novos dados sobre a segurança são agregados.

A vacina, desenvolvida em parceria com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH na sigla em inglês), tem o objetivo de proteger contra os quatro subtipos de vírus da dengue. A proposta é que a última etapa de estudos envolva 17 mil voluntários, divididos em três faixas etárias: 2 a 6 anos; 7 a 17 anos e 18 a 59 anos. Além ampliar a faixa etária que poderá ser eventualmente imunizada, a vacina do Butantã também inova em relação à da Sanofi por ser aplicada em dose única, pois foi idealizada a partir do vírus atenuado da dengue. Na outra vacina é tomado como vetor o vírus da febre amarela. A perspectiva é que chegue no mercado em 2017, caso a última fase da pesquisa transcorra sem maiores incidentes.

Pelo fato do Instituto Butantã ser uma instituição pública estadual, subordinada à Secretaria de Estado da Saúde do governo paulista, a incorporação da pretensa vacina pelo SUS poderá se dar de forma mais custo-efetiva, uma vez que o referido laboratório público não visa lucrar com a possível descoberta. Além do mais, poderá fomentar a economia nacional, uma vez que será construída uma fábrica especialmente para a confecção da vacina, em território brasileiro. A vacina da Sanofi será totalmente importada da França.

No entanto tudo isso tem um custo. O desenvolvimento da terceira fase da vacina está estimado em cerca de R$ 270 milhões. Segundo o governo de São Paulo, o setor privado e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) poderão participar como parceiros.

Ainda que o surgimento de mecanismos eficazes (ou nem tanto, como já alertou o presidente da Anvisa) de imunização em relação à dengue seja louvável, o fato é que ainda estamos anos-luz de distância da erradicação e do controle desta e de outras doenças consideradas negligenciadas. Tanto a vacina da Sanofi quanto a do Butantã não tem eficácia contra o vírus causador da febre chicungunya e o vírus zika, também transmitidos pelo mosquito Aedes aegypti. Este último, que está relacionado com o aumento de casos de microcefalia no país, e que está emergindo para ser o mais grave problema de saúde pública dos últimos anos, ainda que tenha sido isolado pela primeira vez em 1947 na República de Uganda, não foi objeto de pesquisa intensa, para fins de imunização, por não haver interesse de mercado, uma vez que estava localizado quase que exclusivamente em regiões desvalidas do planeta.

É notório o fato de que as indústrias farmacêuticas não investem em medicamentos que não garantam lucros, uma vez que os investimentos na pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, ou no aperfeiçoamento dos mesmos, para as doenças negligenciadas têm sido praticamente nulos nas últimas décadas. Além do fato de que, uma grande parte de tudo o que se ganha com a venda de remédios é reinvestido em ações de marketing, a maioria destinada à classe médica. O investimento em pesquisa e desenvolvimento para combater tais doenças acaba recaindo sobre instituições públicas de países em desenvolvimento ou de menor desenvolvimento relativo, que amagam há muito a carência de investimentos na seara farmacêutica.

Para tentar mitigar esses efeitos deletérios no âmbito do direito à saúde e do acesso a medicamentos, a Assembleia Mundial da Saúde, instância maior da Organização Mundial da Saúde (OMS), aprovou nos idos de 2008 a Resolução 61.21, que contemplava a Estratégia Global e o Plano de Ação sobre Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual. Feito esse que contou com o protagonismo da delegação brasileira. O Brasil vem, historicamente, liderando negociações multilaterais no propósito de defender que o atual sistema internacional de propriedade intelectual seja mais bem adaptado às necessidades e interesses dos países em desenvolvimento. Ao fazê-lo, o país tem ressaltado que a propriedade intelectual não é tema associado exclusivamente ao comércio, mas também à saúde pública e aos direitos humanos.

O Brasil vem nos últimos anos vem buscando consolidar a estratégia nacional de fomento, desenvolvimento e inovação no âmbito do Complexo Industrial da Saúde, principalmente através de parcerias que envolvem a cooperação mediante acordo entre instituições públicas e entidades privadas, tendo em vista o desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia, produção, capacitação produtiva e tecnológica do País em produtos estratégicos para atendimento às demandas do SUS.

Espera-se que, apesar da crise política e financeira que assola país, os investimentos estratégicos em pesquisa e desenvolvimento não se tornem ainda mais escassos, no propósito de afastarmos cada vez mais do ciclo de dependência econômica e tecnológica dos laboratórios farmacêuticos internacionais. Que o exemplo de agremiações de excelência, como o Instituto Butantã e da Fundação Oswaldo Cruz, seja cada vez mais reconhecido, para que a novel vacina contra a dengue não seja apenas uma realização misantrópica no âmbito do combalido, mas imprescindível e estoico, Direito à Saúde.

Fote: Diário da Manhã

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