Indústria pega fila na Anvisa

A indústria farmacêutica tem um arsenal de 1.876 remédios prontos para desembarcar nas prateleiras das drogarias. Mas eles vão demorar a chegar aos balcões. São medicamentos que aguardam na fila para conseguir o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O tempo médio para a liberação atingiu 640 dias em outubro, 271 a mais do que em novembro do ano passado, quando a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), responsável pela estatística, começou a acompanhar os prazos. Para as empresas, a espera é receita perdida e pode colocar na gaveta seus planos de investimentos.

Só a EMS, líder em genéricos, calcula que neste ano o volume de medicamentos aprovados pela Anvisa para o laboratório foi cerca de 35% menor do que em 2011. “Crescemos na média do mercado, cerca de 16%, mas poderíamos ter crescido 30% se os registros saíssem no prazo que esperávamos”, disse o vice-presidente corporativo da empresa, Mario Nogueira. Em 2011, a EMS faturou R$ 4,7 bilhões. A empresa foi a única das oito fabricantes procuradas pelo Estado que aceitou falar sobre os atrasos na liberação de medicamentos pela Anvisa . Eurofarma, Sanofi, Medley, Teuto, Cristália, Hypermarcas e Pfizer não quiseram comentar a questão.

O caso dos genéricos é ainda mais grave. Há hoje 1.697 genéricos e similares na fila da Anvisa, segundo o site da agência, e o mais antigo pediu o registro em 23 de outubro de 2008, exatos 1.474 dias atrás. Os produtos liberados em outubro levaram em média 812 dias para receber o aval, de acordo com o levantamento da Interfarma, batizado pelo setor de “demorômetro”.

As fabricantes têm pressa em lançar. “O primeiro genérico tende a ser líder de mercado e pega até 50% do market share em 30 ou 60 dias”, diz Nogueira. A EMS planejava colocar nas farmácias em maio o esomeprazol magnésio, genérico do medicamento de referência Nexium, um produto que vende R$ 170 milhões por ano. O registro veio cinco meses depois do esperado. “Só com o atraso desse produto deixamos de faturar R$ 15 milhões”, calcula o vice-presidente da EMS.

Investimentos. Apesar da demora nos lançamentos, o mercado cresce em ritmo invejável, dez vezes mais que o esperado para o PIB deste ano, puxado pelo maior acesso da população a tratamentos de saúde. A expansão motivou a EMS a investir R$ 600 milhões para ampliar em 65% sua capacidade de produção até 2014, para 1 bilhão de caixas de remédios ao ano.

A EMS quer construir quatro fábricas e ampliar a unidade de Hortolândia. “Nosso plano de investimento está atrelado à expansão do portfólio”, disse Nogueira. “Os registros estão demorando mais do que prevíamos. Se continuar assim, podemos adiar parte do projeto.”

Segundo o sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, Marcelo Gomes, pelo menos dois de seus clientes no setor farmacêutico têm áreas ociosas criadas para um produto que está com o registro atrasado, “As empresas fazem parte do investimento e seguram o restante até sair o registro.”

As fabricantes de medicamentos novos também perdem receita com o atraso. Gomes estima que 20% a 40% do faturamento das farmacêuticas vêm de lançamentos. O desenvolvimento de cada fórmula leva entre 10 e 15 anos e custa, em média, US$ 800 milhões, segundo o presidente da Interfarma, Antônio Britto.

O problema é que, sem saber quando o registro sai, o retorno do investimento ficou mais longo e até imprevisível no Brasil, disse a especialista em indústria farmacêutica da PricewaterhouseCoopers, Eliane Kihara.

As únicas que levam algum tipo de vantagem com lista de espera para o registro de medicamentos são fabricantes que querem ser vendidas, conclui o consultor da Alvarez & Marsal. A demora é uma espécie de barreira para a entrada de novos players no mercado brasileiro e favorece as aquisições. “Multinacionais que querem entrar no Brasil podem levar três anos para lançar seus produtos aqui. É mais rápido comprar um concorrente que já tem uma boa carteira de registros na fila da Anvisa.”

Segundo Gomes, essa é uma das razões para os altos múltiplos de aquisições no setor farmacêutico -há negócios por exorbitantes 15 ou até 20 vezes o seu Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Outra é o crescimento expressivo do mercado brasileiro.

Rigor. O site da Anvisa, informa que o prazo máximo, pela lei, para a liberação de registros é de 120 dias para medicamentos similares e de 90 dias para os demais. “Analisamos em menos de 90 dias. O problema é o tempo que o pedido aguarda na fila até ser avaliado”, disse o presidente do órgão, Dirceu Barbano.

Ele admite que os prazos praticados estão além do “razoável”. Os atrasos são consequência do aumento de pedidos de registros de remédios -de 500 por mês há dois anos para 650 atualmente – sem uma evolução proporcional da estrutura da Anvisa, que tem 2.112 funcionários e 130 técnicos na área de medicamentos.

O órgão realizará um concurso público para contratar mais técnicos e revisará procedimentos. “A meta é fazer a análise em um prazo entre 9 e 14 meses sem reduzir o rigor sanitário. A Anvisa fez um esforço enorme para o Brasil não ter mais casos de remédios de farinha”, diz Barbano.

Fonte: Interfarma.org.br

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