Saúde nos tribunais
O termo foi cunhado para designar a interferência dos tribunais nas situações em que o funcionamento dos poderes Legislativo e Executivo falharam ou mostraram-se insuficientes ou insatisfatórios. Contudo, em vez da política, a judicialização se alastra no setor da saúde, tanto pública quanto privada. A multiplicação dos processos é evidência da fadiga de um sistema que já não dá conta das necessidades dos usuários. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no fim de junho, havia 42.297 ações na área da saúde em tramitação. Reivindicam tratamento médico, remédio, internação. De um lado, salvam pacientes. De outro, ampliam o abismo de desigualdade, que separa doentes de baixa renda e sem informação de quem pode pagar advogado ou conhece os caminhos da Justiça gratuita.
A DEFENSORIA PÚBLICA DO RIO encomendou ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) um estudo sobre o número de processos ajuizados contra o setor público, desde 2011. Em pouco mais de quatro anos, foram 57.401 ações. Medicamentos envolvem nada menos que 14.270 litígios; outros 2.604 tratam de internação hospitalar; e 1.613, de realização de exames ou cirurgias de eficácia não comprovada. O levantamento, explica o subdefensor público-geral do estado, Rodrigo Baptista Pacheco, servirá para analisar a demanda da população e a carga de trabalho nas comarcas fluminenses: “Conseguiremos saber se o número de defensores e a distribuição entre municípios são adequados”.
Mas chama a atenção o fato de a saúde ser tema de um em cada três processos movidos pela Defensoria contra a Fazenda Pública. Outro dado: no TJRio, 62% das ações em andamento têm atuação dos defensores; em março de 2015, eram 26.583 processos envolvendo entes públicos e setor privado.
Coordenadora de saúde da Defensoria do Rio, Thaisa Guerreiro diz que a judicialização aumentou na esteira da Constituição de 1988, que sepultou a cidadania regulada. “A saúde tornou-se direito fundamental de todo cidadão, independentemente de contribuição, de ser ou não trabalhador. Daí a possibilidade de o Poder Judiciário intervir para cobrar de todos os entes federativos o dever de prestar esse serviço essencial”, explica.
No setor público, as demandas judiciais estão relacionadas, na maior parte dos casos, ao subfinanciamento. Como os recursos são insuficientes para garantir o acesso universal, o Judiciário age para que os autores das ações tenham prioridade no atendimento médico-hospitalar. Há casos também de maus gestores que se beneficiam de decisões judiciais para driblar a necessidade de licitações. Já no setor privado, os processos estão comumente relacionados à restrição de cobertura aos usuários, sob alegação de desequilíbrio econômico-financeiro. “De um lado ou de outro, a saúde está passando por um momento crítico. E os mais prejudicados são os mais pobres e os que desconhecem seus direitos constitucionais”, completa a defensora.
No livro “A saúde dos planos de saúde”, Drauzio Varella, médico, e Mauricio Ceschin, ex-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), defendem mudanças no modelo privado. “O setor está diante de uma situação em que há recursos finitos, demanda e custos crescentes e margens se estreitando… As mudanças têm de envolver financiamento, gestão da assistência, comunicação com o usuário, cultura de tratamento para a prevenção”, entre outras questões. Ou o árbitro será sempre a Justiça.
Fonte: O Globo