Uma biotecnologia chamada ordenha vegetal (plant milking, em inglês) promete impulsionar uma revolução sustentável na indústria da beleza nos próximos anos. A técnica oferece formas alternativas para se obter ingredientes raros para a fabricação de cosméticos, cuja produção não seria economicamente viável nos processos de cultura padrão.
Usado há 18 anos, com o pioneirismo de uma empresa francesa de biotecnologia, o método voltou a ganhar destaque este ano, à medida que aumenta a pressão dos consumidores por produtos cosméticos não só mais naturais e poderosos, mas também mais ecologicamente responsáveis.
O mecanismo, inclusive, foi apontado pela WGSN, especialista global em previsão de tendências, como uma das grandes tendências de 2024 que vão influenciar o desenvolvimento de produtos e o comportamento do consumidor no futuro.
A ordenha é uma metodologia inovadora que permite extrair ativos das raízes vivas das plantas, a sua parte mais rica em nutrientes e antes pouco explorada pelo difícil acesso subterrâneo, para produzir compostos raros em escala industrial. Os compostos incluem vitaminas, antioxidantes e outras moléculas bioativas benéficas para a pele.
Extratos mais puros, concentrados e sustentáveis
A tecnologia envolve a extração desses compostos de maneira suave, não destrutiva, preservando a pureza e a integridade das biomoléculas. Os benefícios são, primeiro, dermocosméticos muito mais potentes e eficazes e, segundo, obtidos com baixo impacto ambiental.
Os métodos convencionais de extração de princípios ativos envolvem a colheita de plantas inteiras, o que prejudica a biodiversidade e, proporcionalmente, exigem grandes quantidades de material vegetal para conseguir uma pequena quantidade de extrato.
A ordenha vegetal, ao contrário, é mais eficiente e sustentável, porque preserva as plantas usadas, requer menos material vegetal para produzir o mesmo volume de ativos naturais e não precisa de uma cultura em larga escala, uma vez que as mesmas plantas podem ser ordenhadas várias vezes ao ano, de forma reciclável.
Segundo Amandine Werle, especialista da Clariant Actives & Natural Origins, em entrevista ao site Cosmectics Design, o procedimento também usa menos água e solo e ainda é 100% rastreável, ou seja, o consumidor pode acompanhar todo o processo, desde as sementes até o ativo final.
As raízes crescem no ar, não no solo
É no ápice das raízes vivas que a maioria das substâncias ativas é produzida e armazenada, mas é muito difícil colhê-las usando métodos agrícolas tradicionais. A ordenha vegetal, no entanto, utiliza um sistema aeropônico, em que as plantas são cultivadas sem solo, em estufas. Elas crescem em prateleiras, com as raízes penduradas no ar, permitindo fácil acesso.
As espécies, selecionadas conforme as substâncias que produzem em suas raízes, são mantidas em um ambiente altamente controlado e recebem uma dieta especial, farta em nutrientes, que as induz a desenvolverem raízes mais longas e produzirem moléculas específicas em maior quantidade e concentração do que em um ambiente natural.
A exsudação radicular, como é chamado o processo de retirada das biomoléculas das raízes, é realizada embebendo suavemente essas raízes, devidamente aderidas às plantas vivas, em solvente atóxico por um breve período (que varia conforme a planta e o ativo a ser recuperado). Então, parte do bioativo desejado é extraído de parte da raiz, sem causar danos à saúde da planta.
Todos os tipos de plantas podem ser ordenhados, de acordo com Werle, porém algumas respondem melhor ao cultivo aeropônico e aos estímulos do que outras. A quantidade de ordenhas também varia. “Algumas, como a luffa cylindrica, permitem seis retiradas por ano, enquanto que a amoreira pode ser colhida de duas a três vezes ao ano”, exemplifica.
Empresa francesa foi a pioneira
Quem desenvolveu a tecnologia da ordenha vegetal foi a empresa francesa Plant Advanced Technologies (PAT), sediada na cidade de Nancy. Reconhecida pelos processos de ponta e de origem responsável, ela produz ativos botânicos de alto valor para o mercado cosmético principalmente. Uma de suas parceiras é, aliás, a Clariant.
A companhia trabalha também com extratos personalizados, investigando e aprimorando de forma natural o ativo desejado pelo cliente. Para isso, os pesquisadores químicos da PAT se dedicam continuamente ao desenvolvimento de novas formas de síntese para otimizar as funções das moléculas criadas pela natureza.
Um exemplo do resultado é o ingrediente lançado este ano, extraído da raiz de Spiraea ulmaria, “um tesouro natural de moléculas com atividades biológicas comprovadas para a pele”, segundo a empresa.
Graças à estimulação, a planta produz compostos 96 vezes mais concentrados na comparação com o cultivo no solo. Os testes de eficácia demonstraram que, a partir do 14º dia, o produto melhora em 52% o equilíbrio da pele e a mantém 60% mais hidratada e protegida de agentes externos.
Com cerca de 1.000 espécies de plantas processadas e mais de 1.800 em catálogo, além dos ingredientes para o mercado da beleza, a PAT tem moléculas em desenvolvimento também na área medicinal, como anticancerígenas, anti-Alzheimer e anti-inflamatórias, abrindo novas portas para uso da natureza a favor do ser humano.
“As plataformas vegetais que elaboramos oferecem perspectivas incomparáveis para a detecção e exploração de ativos inacessíveis até agora”, salienta Jean-Paul Fèvre, fundador e presidente da PAT. “Nossa ambição é ser um ator chave na produção de ingredientes raros com alto valor para a saúde através de tecnologias disruptivas”, acrescenta.
Fonte: Exame