O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou ontem dois processos importantes sobre a prestação de assistência à saúde. Decidiu, em um deles, que o Estado só pode ser obrigado a fornecer medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em casos excepcionais. No outro, que tratou sobre remédios e tratamentos registrados, reforçou o entendimento de que há responsabilidade solidária entre os entes da federação.
Isso significa que ações com pedidos para o fornecimento de medicamentos, materiais e tratamento de saúde podem ser ajuizadas pelos pacientes contra municípios, Estados e União – independentemente de qual deles seja a competência pelo serviço pleiteado. A questão foi tratada em embargos de declaração apresentados pela União contra decisão tomada no RE 855178.
Uma outra questão, também importante – e que estava prevista para ontem -, deve ser decidida na sessão de hoje. Envolve a liberação de medicamentos de alto custo que não constam na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se do RE 566471. Esse julgamento está suspenso, desde 2016, por um pedido de vista. Será retomado com o voto do ministro Alexandre de Moraes.
Ele já sinalizou, na sessão de ontem, que vetaria o fornecimento, pelo Estado, desse tipo de medicamento – da mesma forma como decidiu em relação aos remédios sem registro na Anvisa. Alexandre de Moraes, ao abordar o tema, levou em conta as questões técnicas e também os custos que a judicialização da saúde tem gerado aos cofres públicos.
Afirmou que o direito fundamental à saúde, previsto na Constituição, não leva automaticamente à prestação de todo e qualquer serviço médico e farmacêutico. Para o ministro, deve-se levar em conta que a arrecadação do Estado é finita, assim como orçamento destinado à saúde pública. “Não há mágica”, disse.
O ministro entende que é preciso analisar se a destinação individual não estaria prejudicando a coletividade. “Decisões judiciais em matéria de medicamento são cumpridas com o dinheiro do orçamento que é destinado a milhões de pessoas”, frisou.
Ele citou que os gastos da União, com o fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, saltou de R$ 200 milhões em 2011 para R$ 1,3 bilhão no ano de 2018. Disse ainda que em São Paulo o número de ações judiciais relacionadas a esse tema dobrou entre os anos de 2010 e 2015 e que o aumento dos gastos do Estado nesse período foi de mais de 700%.
Os ministros analisaram o tema por meio do RE 657718, movido contra o Estado de Minas Gerais. A Defensoria Pública fez a defesa do paciente no processo. O argumento para a liberação de medicamentos sem registro na Anvisa foi calçado na burocracia e no tempo que se leva para a incorporação de novos medicamentos pelo órgão – que seria maior do que levam as agências de outros países.
Os ministros decidiram, nesse caso, que o Estado não tem o dever de fornecer tais remédios. Essa é a regra geral, afirmaram. Mas o Judiciário poderá decidir pela liberação do medicamento em casos excepcionais – situações, por exemplo, em que houver demora irrazoável da Anvisa para apreciar os pedidos de registro.
Para isso, porém, devem ser observados três requisitos: a existência de pedido de registro de tal medicamento no Brasil, a existência de registro em renomadas agências do exterior e a falta, no mercado, de um substituto ao que estará sendo pleiteado pelo paciente. Essas ações, segundo os ministros, só poderão ser movidas contra a União – que é quem tem a competência para incluir os medicamentos nos registros da Anvisa.
O advogado Rafael Robba, do Vilhena Silva Advogados, especialista em direito à saúde, entende que a decisão do Supremo vai acabar restringindo o acesso a medicamentos sem registro. Ele cita como exemplo um paciente com câncer que tomou determinado remédio que já não faz mais efeito e, por esse motivo, precisaria avançar para um outro que ainda não tem registro na Anvisa. “Estaria fora das hipóteses definidas pelo STF”, observa.
Robba pondera, no entanto, que por fixar critérios para o acesso, a decisão do STF é melhor que a proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recurso repetitivo. “Já existia uma decisão do STJ desobrigando o SUS de fornecer medicamentos sem registro. Agora, esta decisão do STF criou critérios para que a pessoa possa exigir um medicamento não registrado. São cumulativos, ou seja, os três critérios precisam estar presentes. É algo que traz uma possibilidade para as pessoas.”
Para Rodrigo Araújo, do Araújo, Conforti, Jonhsson, não haverá redução substancial no número de ações, a ponto de impactar o problema da judicialização da saúde. “A maioria desses medicamentos não tem similar. A medicina avança rapidamente. Todo ano surgem novas drogas que passam a tratar problemas que antes não tinham cura”, diz.
Os medicamentos pleiteados na Justiça, segundo o advogado, geralmente são registrados primeiro nas agências internacionais. Ele diz que a Anvisa aperfeiçoou os seus métodos e têm se tornado mais eficiente, mas, ainda assim, existe demora no processo de inclusão. Ele cita o caso de um medicamento chamado Revlimid, usado para o tratamento de mieloma múltiplo (um tipo de câncer), que levou dez anos para ser registrado no país.
Um ponto sobre esse tema, no entanto, acrescenta, não foi abordado pelos ministros e pode gerar ações na Justiça. Trata-se dos casos em que a Anvisa tiver indeferido o pedido de registro de um medicamento que tem reconhecimento em agências internacionais de renome.
Fonte: Valor Econômico